O racismo é um problema real e estrutural, que sempre assombrou o Brasil e tem impacto até dentro da sala de aula. Por isso, um gestor precisa saber como combater, abordar e evitar o racismo na escola.
Muitas escolas ainda minimizam o problema, ou mesmo tratam a questão como se não fosse sua responsabilidade, ou como se fosse difícil demais para abordar no ambiente escolar.
No entanto, a escola tem uma grande parte da responsabilidade em combater o racismo — principalmente quando ele ocorre na própria instituição de ensino. Afinal, ela é o principal ambiente de socialização, aprendizagem e formação para as crianças e adolescentes do país.
E, vale lembrar, racismo é crime no Brasil.
Neste artigo, você poderá ler sobre como lidar com casos pontuais de racismo e também sobre como atuar ao longo do ano letivo para diminuir o preconceito na escola e implantar práticas antirracistas em sua proposta pedagógica. Confira:
Como ocorre o racismo na escola?
No Brasil, o racismo não é uma questão pontual ou ocasional. Ele é estrutural e institucional. Está presente na linguagem, nas relações de poder e em todo o ambiente social.
E, por isso, ele pode se manifestar de diferentes formas e requer um trabalho ativo de identificação e combate constante.
No ambiente escolar, ele pode estar vinculado ao bullying, por exemplo. Apresentando-se como uma violência constante, intimidadora e constrangedora, que tem alunos específicos como alvos e os exclui da vivência social da escola.
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Essa violência pode ser aberta, por meio de uma discriminação racial direta e clara, que é fácil de identificar. Mas também pode ser sutil, presente em atos, omissões e comportamentos entre alunos — e até envolvendo pessoas da equipe escolar.
De qualquer forma, o racismo está muito presente na escola. Segundo a pesquisa Percepções sobre o racismo de 2023, encomendada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto Seta, e realizada pelo IPEC — Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, o ambiente educacional é o principal local para esse tipo de prática.
A pesquisa questionou “em quais desses espaços você sofre ou já sofreu racismo?”, e 38% dos entrevistados afirmaram que a situação ocorreu em escola, faculdade ou universidade. O ambiente de trabalho ficou em segundo lugar, com 29% dos respondentes, enquanto os espaços públicos tiveram 28%.
O que fazer em casos de racismo no ambiente escolar?
Como os casos de racismo da escola podem ser tão variados, é necessário avaliar cada situação separadamente antes de tomar medidas. No entanto, há algumas boas práticas que podem ser usadas sempre, e vão ajudar sua equipe a lidar com esse tipo de problema.
- A orientação mais importante é: a escola não pode se omitir.
Em entrevista à Agência Brasil, a consultora em educação Gina Vieira Ponte, especialista em desenvolvimento humano, educação e inclusão escolar, afirma que “a pior resposta que a escola pode dar diante dessas situações é a permissividade em relação ao ato dessas crianças”.
Segundo a consultora, a omissão da escola passa ao agressor uma mensagem de “tudo bem você ser racista, não há nenhum problema no seu comportamento”. Ao mesmo tempo, a vítima do racismo sente que seus sentimentos e sua identidade étnico-racial não importam para a instituição.
Com isso em mente, o primeiro passo a ser tomado quando há um ato de racismo entre alunos é acolher e proteger a vítima, deixando claro que a escola condena a agressão. Essa postura deve ser estendida também aos responsáveis da vítima.
Na sequência, é necessário tratar do agressor — e aqui a reação vai variar de acordo com a gravidade da situação. Em qualquer caso, a escola deve falar com essa criança ou adolescente, explicar que a ação foi racista e deixar claro que a instituição não aceita esse tipo de postura.
Também deve-se falar com todos os envolvidos, incluindo alunos e professores que tenham acompanhado a agressão.
Em alguns casos, pode ser importante registrar um boletim de ocorrência e, em situações extremas, cabe até expulsão do aluno agressor.
No entanto, é preciso lembrar que o agressor, em casos desse tipo, é uma criança ou adolescente. Nessa idade, especialistas não se referem a eles como “racistas”, e sim como pessoas que “reproduzem o racismo” — um racismo que pode vir de amigos, pais e outros adultos de seu entorno.
Por isso, o caminho para resolver o problema não é apenas punir, mas também compreender a origem desse comportamento e buscar usar a educação e o diálogo para evitar que essa criança cresça e se torne um adulto racista.
No mesmo sentido, deve-se falar com a família do agressor e deixar claro que a escola não vai aceitar esse tipo de atitude.
Como lidar com um caso de racismo que envolva a equipe escolar?
Nem sempre a prática racista se resume aos alunos. Muitas vezes, envolve professores e colaboradores da escola — tanto como vítimas quanto como agressores.
Quando um adulto, que faz parte da equipe da escola, é vítima da agressão de um aluno, as orientações do último tópico ainda se aplicam. A pessoa agredida deve ser acolhida e saber que seus sentimentos são levados em conta.
Por outro lado, quando o perpetrador da agressão é parte da equipe, é preciso avaliar a situação. Há espaço para conversa, orientações e formação continuada, para que os profissionais entendam quais posturas são racistas.
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Mas há limites para o diálogo. Quando há agressão ou comportamentos ofensivos, a escola deve agir com firmeza. Condenar definitivamente a postura do colaborador, emiti-lo e colaborar caso haja investigações criminais.
Como combater e evitar o racismo na escola?
Como o racismo é um problema estrutural no Brasil, seu combate deve envolver políticas públicas e uma atuação muito ampla, para além do contexto escolar. Ainda assim, a escola pode — e deve — atuar na educação de seus alunos, de forma cidadã, democrática e antirracista.
De fato, o Ministério da Educação (MEC) já se comprometeu em elaborar protocolos de prevenção ao racismo nas escolas. Mas, enquanto os protocolos não estão prontos, é possível já trabalhar o assunto em sua gestão.
Ainda mais porque muitas instituições estão abandonando esse tipo de trabalho. Um levantamento feito pela organização Todos pela Educação aponta que apenas 50,1% das escolas tiveram práticas contra o racismo em 2021.
Esse número representa uma queda de 25%, em comparação com os 75,6% de 2015. Segundo a organização, os números despencaram de maneira contínua depois daquele ano.
Os números usados pelo levantamento são oriundos dos questionários do Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb) destinados a diretores e diretoras escolares, entre 2011 e 2021.
Com esses números em mente, organizamos algumas sugestões de práticas contra o racismo para diminuir o preconceito da escola. Confira:
Trabalhar a questão racial e o antirracismo dentro da sala de aula
A obrigação de aplicar lições sobre cultura africana já estão presentes na lei brasileira, mas é preciso ir além do que é imposição legal e realmente trabalhar o antirracismo no ambiente escolar.
Reúna sua equipe pedagógica e repense o currículo escolar, para abordar também lições explícitas sobre racismo, com livros e materiais de pensadores antirracistas, além de discussões sobre as contribuições dos povos afro-brasileiros para a construção da nossa sociedade e da nossa cultura.
Mostre também a atuação de organizações e movimentos sociais que trabalhem no combate ao racismo e apresente dados para deixar claro que esse problema ainda existe e precisa ser enfrentado.
🔎 Leia mais: O que é educação inclusiva e qual a sua importância para as escolas?
Mas lembre-se: esse trabalho não pode ser pontual. Se resumir às datas comemorativas, como o dia da Consciência Negra, ou a um único professor.
As práticas contra o racismo devem fazer parte de todo o currículo escolar e do Projeto Político-Pedagógico (PPP), de forma interdisciplinar.
Nesse contexto, é muito comum que professores e pedagogos, repletos de boas intenções, acabem colocando alunos negros na ribalta simplesmente por serem negros.
Isso é um erro. Nem sempre esse aluno vai ter interesse em falar sobre a discriminação que sofre, ou vai querer ver seus esforços constantemente vinculados à cor da pele. Por isso, busque não forçar o aluno a ocupar uma posição em que ele não se sente confortável, ou que possa limitar sua vivência plena na escola.
Apresentar diversidade e representatividade
Você já parou para pensar nos autores discutidos nas lições de literatura? Ou nas personalidades mais destacadas nas aulas de história? Ou mesmo nos tipos de música, arte e cultura que fazem parte do dia a dia escolar?
Na maioria das escolas, há uma presença muito maior de pessoas brancas em todos esses — e outros — ambientes escolares.
É preciso romper essa limitação e fazer questão de tratar da diversidade, com músicas feitas por artistas diversos, livros com autores e protagonistas negros, contos populares, personalidades pretas na política, na arte, na história, e muito mais.
A escola deve trabalhar a estética negra, a identidade racial do país, a cultura afro-brasileira nas brincadeiras, os conceitos de comunidade, etc.
Há um enorme universo a ser trabalhado dentro da sala de aula — mas sempre com cuidado, sem explorar ou se apropriar dessas possibilidades, e sim abordá-las com respeito e aprendizado.
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Além disso, não basta ensinar a diversidade se a própria escola não a aplica. Busque contar com a contratação de pessoas negras na docência e nos cargos de gestão.
Convidar pessoas diversas para discutirem o assunto no ambiente escolar
Palestras e atividades com personalidades negras são também excelentes oportunidades para trabalhar o antirracismo no ambiente escolar.
Essas pessoas podem apresentar a realidade da discriminação no país e o trabalho realizado para combatê-lo, com a beleza e a potência da cultura afro-brasileira.
Mas também é importante convidar pessoas negras para outros temas, e não limitá-las ao assunto racismo. Há profissionais e personalidades que podem discutir sobre ciências, cidadania, arte, cultura, literatura e muito mais — com excelentes resultados para a escola.
Acompanhar o convívio entre alunos
Enquanto os alunos estão no ambiente escolar, eles são responsabilidade da escola, que precisa estar de olho no seu convívio e nas suas relações.
Muitas vezes, o racismo se expressa por falas, ações, negligências, exclusões, e a sua equipe precisa estar de olho nisso, monitorando cada possível conflito.
Assim, a escola pode impedi-lo antes que se desenvolva, evitando o sofrimento da vítima e até orientando o agressor para coibir esse tipo de comportamento no futuro.
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Mostrar abertura para ouvir e acolher os alunos
Para combater o racismo na escola, ele não pode ser um assunto tabu. Pelo contrário, deve ser discutido e debatido constantemente, e a instituição tem de se mostrar aberta para ouvir os alunos sobre isso.
Se algum aluno é vítima de racismo, ele deve se sentir confortável a falar com sua equipe pedagógica. Da mesma forma, alunos que reproduzem atitudes racistas devem ser ouvidos, compreendidos e corrigidos.
Estimular a criação de coletivos no ambiente escolar é uma ótima opção nesse sentido. Os alunos poderão se reunir para discutir o tema, buscar soluções e atuarem como verdadeiros protagonistas dentro da escola.
🔎 Leia mais: Por que as escolas devem trabalhar a representatividade por meio de coletivos?
E essas são apenas algumas orientações e dicas. Para realmente trabalhar a questão racial na escola e combater esse problema, é necessário ir além.
Busque livros sobre o assunto, converse com especialistas, frequente cursos e entenda que o racismo faz parte da sociedade, mas que sua escola tem um poder enorme para combatê-lo.
Carla Helena Lange
Mestra em Letras: Linguagem, Cultura e Sociedade, com ênfase em Literatura, Sociedade e Interartes pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Especialista em Comunicação e Marketing, Liderança e Gestão de Pessoas e em Recursos Humanos. Licenciada em Letras - Português e Inglês e em Pedagogia. Possui experiência na área de educação nos seguintes níveis: Ensino Fundamental II, Ensino Médio, Ensino Técnico e Ensino Superior. Também já atuou no mercado editorial e como autora de materiais didáticos da área de linguagens. Atualmente, é líder do setor de marketing da Sponte, vertical de Educação da Linx, empresa do grupo Stone Co.